Estou lendo o livro da Mónica Ojeda, chamado Madíbula. É um livro incrível no sentido de que, mesmo eu já tendo muitas coisas que me arrepiaram antes, esse é o tipo de livro que me faz pensar o tempo todo nele e que me arrepia a espinha. Não por cenas de suspense ou coisas macabras, mas por tratar de temas tabus de forma bastante visceral, sem muito espaço para amenizações. De forma crua, algumas vezes cenas são narradas, transformando algo cruel, em algo banal na voz de um personagem.
A narrativa é de 2 tipos: o narrador onisciente e os
diálogos, que são identificados apenas pela primeira letra do nome do
personagem, o que faz pensar que a autora imagina que o leitor saberá, por ser
óbvio, de quem são as falas ou, talvez, porque a construção do texto todo é
feita com essa brincadeira da dúvida, da possibilidade, de algo que pode ser ou
não ser.
A autora o tempo todo fala de questões ligadas aos limites
do prazer e da dor e em como esses dois aparentes polos muitas vezes se
misturam. É uma constante narrativa sobre os limites que nos colocamos e que
nos são impostos. E como pode ser muito excitante a experiência de ficar no
limiar de ultrapassar esses limites. O limite que separa a vida e da morte é constantemente
explorado, como se ao sairmos incólumes de uma experiência de quase morte,
ganhássemos um ímpeto de vida. As brincadeiras que exploram os perigos extremos
no livro, mostram adolescentes que estão experimentando pela primeira vez sua
sexualidade e o prazer. E são jovens que talvez por viverem em um espaço de
castração, de restrição o tempo todo do seu comportamento, sintam a necessidade
da experimentação.
A personagem da professora é extremamente bem construída em
suas características psicológicas e temos uma narrativa que vai seguindo por
trechos de sua vida injetados ao longo do texto. Vemos uma mulher obsessiva
pela mãe e pela falta de amor que marcou toda a sua vida. O seu primeiro objeto
de afeição foi o que lhe rejeitou, sua própria mãe. Para de alguma forma fazer
essa mãe presente em si, ela passa a mimetizar a mãe, de forma a tentar se
transformar nela, em diversos aspectos. E essa é uma relação doentia e tóxica
que se perpetua quando a mãe ainda é viva e depois de sua morte, como uma forma
de manter viva essa mãe. Mas ao mesmo tempo que essa professora busca esse amor
de uma mãe, do qual nunca vai alcançar, ela opera uma relação de vingança com o
ser que a rejeitou e a autora faz considerações muito perturbadoras a respeito
de qualquer relação de mãe e filha. Ela nos coloca a questão de que o
nascimento da filha lembraria a mãe de que seu tempo teria passado e que uma
geração morre, enquanto outra surge.
Existe toda uma narrativa onírica também na fala de algumas
personagens, principalmente em uma das adolescentes que é uma das principais
articuladoras desse grupo de meninas. Nessa parte, vemos uma mistura entre o
que é real e imaginário para as personagens e as histórias contadas por elas se
misturam um pouco com os fatos. E é sensacional como o título que dá nome ao
livro aparece muita vezes em analogias e metáforas, com múltiplos sentidos.
Existe uma verdadeira riqueza semântica no livro que faz com que possamos
encontrar ao longo de trechos do livro diversos significados para uma palavra
ou expressão.
Eu ainda não terminei o livro, mas estou na metade e ele
tem me instigado muito de uma parte para cá, pois ele deixou no ar algo que
está para ser desvendado, que diz respeito ao universo das mentiras e verdades
e dos pontos de vistas e em como as versões de um mesmo fato mudam de pessoa
para pessoa. Veremos o que me espera e sigo lendo.
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