quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

 Estou lendo o livro da Mónica Ojeda, chamado Madíbula. É um livro incrível no sentido de que, mesmo eu já tendo muitas coisas que me arrepiaram antes, esse é o tipo de livro que me faz pensar o tempo todo nele e que me arrepia a espinha. Não por cenas de suspense ou coisas macabras, mas por tratar de temas tabus de forma bastante visceral, sem muito espaço para amenizações. De forma crua, algumas vezes cenas são narradas, transformando algo cruel, em algo banal na voz de um personagem.

A narrativa é de 2 tipos: o narrador onisciente e os diálogos, que são identificados apenas pela primeira letra do nome do personagem, o que faz pensar que a autora imagina que o leitor saberá, por ser óbvio, de quem são as falas ou, talvez, porque a construção do texto todo é feita com essa brincadeira da dúvida, da possibilidade, de algo que pode ser ou não ser.

A autora o tempo todo fala de questões ligadas aos limites do prazer e da dor e em como esses dois aparentes polos muitas vezes se misturam. É uma constante narrativa sobre os limites que nos colocamos e que nos são impostos. E como pode ser muito excitante a experiência de ficar no limiar de ultrapassar esses limites. O limite que separa a vida e da morte é constantemente explorado, como se ao sairmos incólumes de uma experiência de quase morte, ganhássemos um ímpeto de vida. As brincadeiras que exploram os perigos extremos no livro, mostram adolescentes que estão experimentando pela primeira vez sua sexualidade e o prazer. E são jovens que talvez por viverem em um espaço de castração, de restrição o tempo todo do seu comportamento, sintam a necessidade da experimentação.

A personagem da professora é extremamente bem construída em suas características psicológicas e temos uma narrativa que vai seguindo por trechos de sua vida injetados ao longo do texto. Vemos uma mulher obsessiva pela mãe e pela falta de amor que marcou toda a sua vida. O seu primeiro objeto de afeição foi o que lhe rejeitou, sua própria mãe. Para de alguma forma fazer essa mãe presente em si, ela passa a mimetizar a mãe, de forma a tentar se transformar nela, em diversos aspectos. E essa é uma relação doentia e tóxica que se perpetua quando a mãe ainda é viva e depois de sua morte, como uma forma de manter viva essa mãe. Mas ao mesmo tempo que essa professora busca esse amor de uma mãe, do qual nunca vai alcançar, ela opera uma relação de vingança com o ser que a rejeitou e a autora faz considerações muito perturbadoras a respeito de qualquer relação de mãe e filha. Ela nos coloca a questão de que o nascimento da filha lembraria a mãe de que seu tempo teria passado e que uma geração morre, enquanto outra surge.

Existe toda uma narrativa onírica também na fala de algumas personagens, principalmente em uma das adolescentes que é uma das principais articuladoras desse grupo de meninas. Nessa parte, vemos uma mistura entre o que é real e imaginário para as personagens e as histórias contadas por elas se misturam um pouco com os fatos. E é sensacional como o título que dá nome ao livro aparece muita vezes em analogias e metáforas, com múltiplos sentidos. Existe uma verdadeira riqueza semântica no livro que faz com que possamos encontrar ao longo de trechos do livro diversos significados para uma palavra ou expressão.

Eu ainda não terminei o livro, mas estou na metade e ele tem me instigado muito de uma parte para cá, pois ele deixou no ar algo que está para ser desvendado, que diz respeito ao universo das mentiras e verdades e dos pontos de vistas e em como as versões de um mesmo fato mudam de pessoa para pessoa. Veremos o que me espera e sigo lendo.

 Estou lendo o livro da Mónica Ojeda, chamado Madíbula. É um livro incrível no sentido de que, mesmo eu já tendo muitas coisas que me arrepi...