segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Então queres ser um escritor?

então queres ser um escritor?

(Tradução: Manuel A. Domingos)
se não sai de ti a explodir
apesar de tudo,
não o faças.
a menos que saia sem perguntar do teu
coração, da tua cabeça, da tua boca
das tuas entranhas,
não o faças.
se tens que estar horas sentado
a olhar para um ecrã de computador
ou curvado sobre a tua
máquina de escrever
procurando as palavras,
não o faças.
se o fazes por dinheiro ou
fama,
não o faças.
se o fazes para teres
mulheres na tua cama,
não o faças.
se tens que te sentar e
reescrever uma e outra vez,
não o faças.
se dá trabalho só pensar em fazê-lo,
não o faças.
se tentas escrever como outros escreveram,
não o faças.
se tens que esperar para que saia de ti
a gritar,
então espera pacientemente.
se nunca sair de ti a gritar,
faz outra coisa.
se tens que o ler primeiro à tua mulher
ou namorada ou namorado
ou pais ou a quem quer que seja,
não estás preparado.
não sejas como muitos escritores,
não sejas como milhares de
pessoas que se consideram escritores,
não sejas chato nem aborrecido e
pedante, não te consumas com auto-
— devoção.
as bibliotecas de todo o mundo têm
bocejado até
adormecer
com os da tua espécie.
não sejas mais um.
não o faças.
a menos que saia da
tua alma como um míssil,
a menos que o estar parado
te leve à loucura ou
ao suicídio ou homicídio,
não o faças.
a menos que o sol dentro de ti
te queime as tripas,
não o faças.
quando chegar mesmo a altura,
e se foste escolhido,
vai acontecer
por si só e continuará a acontecer
até que tu morras ou morra em ti.
não há outra alternativa.
e nunca houve.
(Charles Bukowski)     






 Escrever é algo extremamente gostoso, que provavelmente só entende quem é viciado na escrita. Já fui viciada na escrita e um das coisas mais legais é quando escrevia justamente sobre esse vício. Agora estou enferrujada e faz uns bons anos que não me dedico a esse ofício mais, mas na época não importava sobre o que eu escrevesse ou quem leria ou não, era apenas algo gostoso de se fazer para passar o tempo e deixar as ideias impressas em algum lugar. Ás vezes batia um medo das ideias nunca mais voltarem a cabeça de novo e que algo importante pudesse ficar pra sempre perdido em alguma gaveta da memória. E ai imagina só, nunca sairia mais aquele livro impressionante que um dia você pensou em escrever ou pior, poderia esquecer um dia importante qualquer, qualquer pra você hoje, mas que naquele dia parecia um dos mais importantes da sua vida. Como saber, se você não lembra mais né? Então eu escrevia em um diário, porque queria lembrar das páginas da minha vida, queria poder voltar pra ver tudo que havia feito que tinha dado um peso grande. Queria poder analisar mais tarde e pensar: "não acredito que fiz isso" ou "como eu era foda naquela época" ou "que besta que eu fui". Seria algo assim bem cheia de julgamentos do seu "eu" de hoje, para o seu "eu" passado. Quem nunca teve um diário não sabe como é. Nem era preciso escrever todo dia, só os acontecimento dignos de nota mesmo. De resto poderiam ser bobagens, algo como poemas, frases de livros, frases de filmes, não importava, o que importava era reter aquelas ideias incríveis em algum lugar. 
   Faz muitos anos desde que folheie um desses diários antigos, quem sabe um dia desses não pego um ano qualquer e começo a ler e vejo se esqueci pra trás alguma parte de mim importante que se perdeu ou algum sonho grandioso esquecido. Acho que seria o máximo, ou do tédio ou da descoberta.


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