sábado, 7 de maio de 2022

Um breve reflexão sobre eutanásia e religião

 Um breve reflexão sobre eutanásia e religião

 

 

A vida que temos é resultado de escolhas, escolhas que dependendo do ponto de vista podem parecer certas ou erradas. Mas não só de escolha é feita a vida, ela é feita também dos acasos, de planos que não dão certo, das coisas que não funcionam exatamente como gostaríamos, de visitas inesperadas, de tempos imprevistamente nublados e chuvosos, de conduções que perdemos e, é claro, de perdas. A vida não pode ser controlada, a vida nunca está completamente no nosso controle, pois existem tantas variáveis que não são da nossa alçada, que não tem como as coisas serem exatamente como planejada por nós e, se fosse, nos gostaríamos mais da vida ou menos?

Ontem minhas conversas foram sobre escolhas, sobre as escolhas que podemos fazer enquanto estamos saudáveis, sãs ou em controle de nossas faculdades mentais. E isso me fez pensar no controle severo de algumas religiões sobre nossos corpos e sobre o que podemos fazer com eles e, de tabela, sobre as nossas próprias mortes. A igreja sempre desprezou o aborto e o suicídio, pois “não matarás” é considerado um dos dez mandamentos que não podem de maneira alguma ser infringidos. No entanto, se pararmos para pensar, de fato existem muitos outros mandamentos que são “socialmente” aceitos quando não respeitados na nossa sociedade, como: “não olharás para a mulher do próximo” e “não adulterarás. O que faz pensar na relatividade com que as pessoas escolhem o que seguir e no que acreditar de acordo com as suas próprias necessidades, pois existe uma flexibilização dos mandamentos dependendo do devoto. Mas se existe toda essa flexibilização de alguns dos mandamentos, por que a quebra de alguns desses é moralmente mais aceita do que outros?

Para mim essa explicação se dá por interesses dentro da sociedade e pela próprio pensamento machista da religião que acaba fortalecendo e imbuindo a nossa sociedade com mais pensamento machista. Já que na sociedade o que é moralmente aceito é a traição do homem e, não o da mulher, pois a própria bíblia coloca a mulher sempre num papel de inferioridade ao homem e num papel de subserviente, dependente e imbuída de características negativas do ponto de vista cristão, como sendo lasciva, como responsável por várias atitudes pecaminosas tomadas pelo homem, como se fosse uma influência ruim e nascida com algum tipo de perfídia própria do sexo feminino.

Exatamente por esse contexto machista que a sociedade aceita as traições dos homens como algo normal, mas considera pecaminoso alguém sequer pensar em tirar a própria vida, pois o suicídio, que seria o assassinato de si mesmo, é altamente condenado não só pelo catolicismo e pelo protestantismo, mas em religiões como o espiritismo. A questão é que a proibição do suicídio está diretamente ligado com o cerceamento do livre arbítrio do indivíduo e do direito sobre o seu corpo e de fazer o que quiser sobre o seu próprio corpo. Não deixa de ser um controle moral sobre o que podemos fazer com nosso corpo, sobre nossas escolhas e sobre como decidimos viver e morrer.

A lógica das religiões nem sempre se padece do sofrimento humano e, muitas vezes, pelo contrário, de várias formas incita o autoflagelamento e o sofrimento como forma de expiação dos pecados, como forma de redenção. Sendo assim, dentro desse contexto é que deve-se entender como a religião não se padece de seres humanos que buscam uma morte pacífica e sem sofrimento, ou uma morte digna e que se dê enquanto ainda existe consciência de si ou, ainda, alguma forma de entendimento da realidade para que se possa decidir como se quer partir.

Todas essas religiões são de uma crueldade atroz quando se imiscuem no Estado e transformam o que deveria ser uma decisão pessoal e feita somente pelo indivíduo em algo que o Estado deve ou não permitir, sancionado pelo o que a religião considera moralmente correto. Enquanto isso, pessoas definham em camas e agonizam de dor ou veem suas consciências se esvaindo pouco a pouco sem que possam dar um fim antes de deixarem de ser elas mesmas.

É preciso que a sociedade chegue a um entendimento de que não existe uma única religião e nem homogeneidade de crenças, então, deve-se entender que existem outras visões que não são as mesmas compartilhadas por pessoas de uma determinada religião. Por isso, mesmo que se considere um pecado mortal certa ação do indivíduo, isso não deve virar uma política de estado e nem deve influenciar nas decisões tomadas dentro de um Estado Democrático de Direito. As pessoas devem poder escolher como vivem e como morrem, sem imposições da religião de um determinado grupo. Quando negamos o direito ao outro sobre quando tirar sua vida, estamos indo contra a dignidade humana, pois assim como a Constituição deve assegurar uma vida digna, ela também deve no fim da vida de todos, assegurar a dignidade em seus momentos finais. Um verdadeiro Estado Democrático de Direito entende que decisões individuais que não prejudicam terceiros devem ser respeitados, à revelia do que pensam alguns grupos ou pessoas.

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